OLHOS ARREPIADOS DE BREU

THAINÁ CARVALHO

As manhãs estão cada vez mais escuras
e assombrosas,
as roupas não secam no varal
e as árvores balançam
loucamente,
não sei se em dança
ou em aviso.
As manhãs estão cada vez mais escuras
nesse mundo bravio,
as ondas atingem já tantas alturas
que se confundem em nuvens,
as pessoas observam e aguardam
metade temor, metade expectativa
o naufrágio íntimo de suas vidas
em tragédia absoluta.
As manhãs estão cada vez mais escuras
uma tempestade que nunca chega
paira sobre nossas cabeças
gigante e ameaçadora
odisseia homérica
que nunca se encerra
e nossos olhos
(acostumados à crescente escuridão)
já não inventam monstros
nem choram desterros,
mas como há sobrevivência
sem os medos da boca
do estômago?
Como ousar a fé
sem as mãos dadas
para fazer milagres?
Escuras, as manhãs invadem
o acordar esperançoso
para um dia mais
ou menos
e já não podemos crer,
mesmo agarrados ao horizonte
em busca do sol,
que haja luz.

Thainá Carvalho é escritora e colagista sergipana. É criadora da revista Desvario, uma publicação digital sem fins lucrativos voltada à difusão da literatura contemporânea criada por mulheres. Lançou os livros de poesia As coisas andam meio desalmadas (2020) e O Amor em breve anatomia das horas (2021). Organizou, com Amanda Reis, a antologia de poetas sergipanas Passos da pedra ao mar.

A SEDE DA ORQUÍDEA

ROBERTO AMARAL

Ao mitigar a sede diária
dessa orquídea de brancas pétalas,
nutro-me com sua decomposição.

O cuidado
que ela me requer
dispõe-nos na luta
contra mútuos empalidecimentos.

Um dia,
ambos,
teremos sido
sementes dispersas
e desperdiçadas,
cultivadas em solo raso.

Por enquanto,
ao regar
o seu irrisório torrão,
faço-me humano de metal,
e, ela, se perpetra
em flor de plástico.


Roberto Amaral (Palmas/TO) é escritor, poeta, ensaísta e professor. Autor de Veredazinhas eleitas: rasuras lacanaianas em Grande sertão: veredas (no prelo); A teofania em Grande sertão: veredas; Do mundo, suas delicadezas; 54 [+ uma] mulheres do baralho; Contos extraviados; Uma Denise; Le mot juste; e Paul Ricoeur e as faces da ideologia. Organizador e autor do livro Leituras superviventes de “O burrinho pedrês”.