AGULHA
meu corpo quente ainda dói da porrada
tenho hematomas por toda a epiderme
respiro balões de oxigênio segurados à
força por aqueles que me querem bem
como fazem com os bichos prematuros
me embalam roupões azuis esverdeados
os lençóis de cama trocados diariamente
a canção da paciente por trás da cortina
o cheiro das pomadas das luvas do éter
mas amanhã o dia se abre às seis horas
tomo café da manhã insosso sem queijo
e aviso que estou disponível para visitas
JOÃO DE BARRO
leva o barro na boca, meu bem, feito um pássaro:
constrói uma casa para dois no topo de uma árvore
centenária, zerada de outros ninhos, numa cidade
relativamente perto da capital. faz um puxadinho
para os livros e discos que compraremos juntos e
os que vamos levar na mudança, o jogo americano,
o vaso de gerânios, o que existe entre você e eu.
leva pequenos galhinhos para adormecermos juntos
numa esteira no chão perto da entrada, porque os
nossos corpos são demasiado quentes para ficarem
tão dentro, porque as nossas asas estão agitadas
diante de todas as possibilidades que conhecemos.
leva o barro no bico, meu bem, e o amor sob a asa.
Amanda Vital é assistente editorial da editora Patuá e co-editora da revista Mallarmargens. Tem bacharelado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais e é mestra em Edição de Texto pela Universidade Nova de Lisboa, trabalhando com a obra poética de Augusto dos Anjos. Autora dos livros Passagem (poemas, Patuá, 2018) e Costura (poemas, Patuá, 2023). Participa de antologias de literatura brasileira contemporânea e tem poemas traduzidos para inglês, espanhol e catalão, publicados em revistas físicas e impressas.