POESIA: UM FINÍSSIMO E VIGOROSO FIO

FRANCISCO DAS CHAGAS SOUZA CARVALHO FILHO

Talvez seja a poesia o finíssimo e vigoroso fio que te mantém neste mundo, o frenesi dela a encher tua mente de vida. De outro modo já terias pedido para fechar a conta. Certas vezes, não há poesia que salve. Sylvia Plath, Sá-Carneiro, Alejandra Pizarnik, Florbela Espanca e outras tantas figuras que eu poderia citar decidiram fechar a conta. Torquato Neto também o fez. Não raro, os poetas são perseguidos por uma entranhada tristeza misturada à própria existência deles. Eu, poeta desconhecido e arredio, tenho picos de melancolia, mas aqui estou, vivo. Resistindo para quê? E por quê?

“Apenas a matéria vida era tão fina”, escreveu e cantou Caetano, no trecho retirado da letra da belíssima canção Cajuína. De tão fina facilmente se desfaz. Eu reparo nas brasas e nos incêndios, observo a gelidez e a euforia daqueles ao meu redor. Há casos em que quase nada me resta a fazer diante de pessoas queridas extremamente moídas pela existência. O que fazer perante Troias quando sou incapaz de construir cavalos de madeira? Tento algumas aproximações, mas sou repelido pelo que há de mais inquietante, o silêncio. Meus problemas, não poucos, são esquecidos nessa hora. Lanço a mão e ela não chega.

Qualquer um de nós é suscetível a ser tomado por uma tristeza capaz de nos desmantelar o ânimo e a vontade de viver. Alquebrados e macerados todos os dias, procuramos algum sentido em meio a tantos problemas e sofrimento. Eu mesmo tantas vezes tenho sido hospedeiro da dor. Em algumas ocasiões a vida nos pisoteia de tal maneira que desejamos algum subterfúgio, uma saída do inferno de decepções, traumas e certa indiferença doentia. É como se clamássemos pela evasão. Escreveu Camilo Pessanha:

Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme…

Longe de mim querer me tornar o verme de Pessanha, não obstante um tempo só para si, longe do burburinho até faz bem. Sou uma incoerência a não recusar a vida, a contemplar e lamentar as numerosas desgraças. Eu sigo porque ainda a aguento. Sou como o lenhador da estória ao encontrar-se com a morte. Mais perdido do que achado, eu sigo. Sou teimoso! Esperançoso? Não posso afirmar. Contraditório e vacilante, porém sigo, o que não me impede de aceitar que para determinadas pessoas uma hora ou outra o casco do navio racha. O desespero se apossa como nos versos abaixo de Sá-Carneiro:

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço…
A hora foge vivida,
Eu sigo-a, mas permaneço.

A mente torta como os galhos de um cajueiro, o pensamento irrecuperável das cinzas e da doença, o devastador do Eu a devorar o Eu. De repente, ou desde sempre, o ferro quente na pele, a cicatriz do sofrimento presa ao tinteiro antigo daquilo que alguns chamam de alma. E quando o mundo se enraivece, e os olhos horrorizados se calam, acho-me estupidamente cansado. A despeito de tudo isso vou vivendo. Um dos versos de Bocage diz o seguinte: “A morte para os tristes é ventura.” Apesar de tudo, aprecio demais a vida.

Penso em ti, criatura querida. Como estás? Teu amor à poesia e à literatura decerto permanecem. Nisso há um laço entre nós, um fio conduzindo venturas. Tenho andado melancólico. Nem imaginas o quanto. O melhor do poeta, penso eu, é a poesia. Não tenho pretensões de originalidade nessa fala. Apenas a vontade de expressar, bem ou mal, um pouco de mim. Neste instante existe uma solidão em nós cuja densidade nos quebra. Teria sido melhor não haver escrito verso algum? Jamais haver se compadecido das desventuras de Bocage? Nunca ter se decidido poeta ao ler Rimbaud?

Aqui e ali eu fujo de mim. Não pretendo imitar o caminho da reclusão de parte significativa da vida de Emily Dickinson. Força! Preciso de força para arredar o pé de mim. Tudo me parece alheio, uma anestesia diante da vida, mas eu tomo choques para acordar. Sem essa de que todo poeta é triste. Novamente leio Lamentações (atribuído ao profeta Jeremias) e me coloco na atmosfera do poema. Não quero ser a cidade arrasada. Pensamos demais! Será essa a causa da pane? Será esse o fator determinante? Estou relendo os poemas de Pessoa. Alguns deles me ardem. É como se eu os tivesse escrito.

O cultivo da poesia conduz à tristeza? Não necessariamente. Jamais acreditei nisso. Ou acreditei? Sem a poesia o que me eleva? Não passo de um sujeito banal sem ela. Estou cansado! Cansado de quê? Troço de poeta, será? Leio um pouco de Rimbaud para desapegar do desânimo. Que venha o sátiro de Charleville. Com ele se dissipa a sensação de redemoinho, ao menos a minha.

Francisco das Chagas Souza Carvalho Filho é autor do livro de poemas Onde estão meus girassóis? (2022, Editora Tremembé), além de poeta é ficcionista e estudioso da literatura. Mestre em Letras pela UESPI, colunista da Revista Piauí Poético. Participou de diversas coletâneas literárias.